segunda-feira, 7 de junho de 2010

Como entrar no mundo deles?

O autismo já atinge mais crianças que a Síndrome de Down em alguns países, onde uma em cada 500 nasce com o distúrbio, que a impedirá de estabelecer qualquer tipo de contato. Hoje se sabe que, quanto mais cedo essa barreira é quebrada, maiores são as chances de recuperação.


A pedagoga paulista Maria Eleni Mondini durante boa parte da vida trabalhou com crianças deficientes mentais e com síndrome de Down. Estava acostumada a reconhecer os sinais desses distúrbios até mesmo em bebês. Quando engravidou pela primeira vez, ela não conseguiu esconder o alivio depois que seu filho Lucas foi avaliado com notas excelentes no exame de rotina feito ainda na maternidade. Lucas dormia bem, chorava pouco e não estranhava as pessoas. E foi assim até completar 1 ano. Logo depois do aniversário, o menino passou a não se aninhar mais no colo da mãe. Evitava qualquer contato físico. Chegou a pronunciar algumas palavras sem sentido e até a acompanhar com “ê, ê, ê”o refrão da música Ilariê, sucesso da Xuxa. Mas parou por aí. Cada vez mais mergulhado no silencio, foi se fechando numa espécie de universo paralelo, impenetrável. “na época em que ele nasceu, em 1987, eu mal havia ouvido falar sobre autismo”, diz Eleni. “Embora fosse natural para mim lidar com excepcionais, demorei para entender o que ocorria com meu filho”.


É comum que o comportamento da criança autista confunda a família num primeiro momento. Diferentemente dos portadores de outras deficiências mentais, ela não apresenta nenhum sinal físico. A característica mais forte da síndrome é a tendência ao isolamento e a ausência de comunicação – a criança olha de forma dispersa, não responde quando chamada nem demonstra interesse por outras pessoas. Ela pode reagir de forma exagerada a alguns estímulos, como ao barulho de uma porta batendo, e ignorar completamente outros, como o som de uma televisão no último volume.Desde 1943, quando foi descrito pela primeira vez pelo psiquiatra Leo Kanner, o autismo é um mistério para a ciência. Pouco se sabe sobre as causas e menos ainda sobre a possível cura. Encarado como um distúrbio raro, nunca recebeu a atenção (nem verbas para as pesquisas) necessária para o esclarecimento. Nos últimos nos, porém, descobriu-se que a incidência é bem maior: em cada 1000 crianças que nascem em todo mundo, uma é autista. Em alguns países, como os Estados Unidos, os registros apontam para o dobro desse numero: um caso para cada 500 crianças – estimativa que surpreendentemente ultrapassa os índices de Síndrome de Down e de câncer infantil. A descoberta colocou o autismo na pauta de programas de saúde de pública de muitos paises, inclusive o Brasil. Os frutos desse interesse começam a aparecer.A novidade que mais tem empolgado os pesquisadores são os bons resultados obtidos com diagnóstico e o tratamento precoces. “Quanto mais cedo se detecta a síndrome, maiores são as chances de quebrar a barreira de isolamento da criança e de interferir em seu desenvolvimento”, afirma o psiquiatra Raymond Rosemberg, de São Paulo. “O principal obstáculo é que, geralmente, eles só iniciam o tratamento muitos anos após surgir os primeiros indícios, quando o cérebro já está formado e certos comportamentos cristalizados”. Depois de avaliar o resultado de vários estudos, a Academia Americana de Neurologia divulgou recentemente um documento alertando pais e pediatras e mostrando como identificar os sintomas a partir do primeiro ano (ver “os primeiros sinais”). No Brasil, a Associação de Amigos do Autista (AMA) publicou uma cartilha com informações e questionários que serve de roteiro pra detectar o problema.


O pequeno Alejandro, de 2 anos e 8 meses, é um dos exemplos que a intervenção nos primeiros anos de vida pode proporcionar. Quando ele tinha 1 ano e meio, a mãe, designer Teresa Jimenez, começou a perceber seu comportamento estranho. Alejandro não imitava nenhum gesto, não dava beijos e ficava horas girando as rodas de um carrinho ou olhando os movimentos de uma máquina de lavar roupas. “Mesmo assim, eu não pensava em autismo”, conta ela. “Foi meu pai quem nos chamou atenção para essa possibilidade e pediu que procurássemos um especialista”. Hoje ele está aprendendo a falar e a ler, tem ótima memória fotográfica, freqüenta uma escola comum e demonstra carinho pelos pais.A síndrome se manifesta sempre antes dos 3 anos e, curiosamente, afeta mais meninos que meninas: a cada quatro autistas, três são do sexo masculino. Durante muito tempo, acreditou-se que era um distúrbio psicológico provocado por pais frios e distantes. Além do desafio de criar um filho com problema, muitas famílias também conviviam com esse sentimento de culpa. Hoje, sabe-se que o transtorno tem origem biológica e atinge o sistema nervoso ainda em formação. Embora os motivos ainda não estejam identificados, vários estudos trazem evidencias de que haveria um componente genético. No entanto, mais pesquisas são necessárias para determinar se um defeito genético poderia sozinho predispor uma criança ao autismo ou se estaria associado a outros fatores.


Que planeta é esse?


O autista apresenta deficiência em três áreas nobres do desenvolvimento: a comunicação, a interação social e a imaginação. Juntos, esses três desvios conseguem produzir semelhante à sensação de alguém que, de repente, se vê em um pais de cultura e língua desconhecidas com as mãos imobilizadas, sem a mínima condição de compreender os outros ou de se expressar por palavras e gestos. Não é a toa que o problema passou a ser conhecido como “Oops! Wrong Planet Syndrome”(Síndrome de Ops! Planeta errado!’), apelido dado pelos primeiros grupos de apoio às famílias dos portadores do distúrbio. Além isso, para o autista, não há diferenciação entre o “eu” e o “mundo”. Ele não tem capacidade de interpretar o estado emocional e as expressões, como fingir que uma vassoura é um cavalo de pau.


Cerca de 70% dos autistas possuem algum nível de retardo mental. “A imagem de gênio incompreendido mostrada no cinema, a exemplo do personagem vivido por Dustin Hoffman no filme Rain Man, corresponde à minoria dos casos”, afirma o psiquiatra Francisco Assumpção, do Hospital das Clínicas, de São Paulo. Esse pequeno grupo de “autistas de alto nível”, que possuem uma boa capacidade de comunicação e inteligência – mesmo vivendo em uma espécie de mundo particular – é classificado como portador da síndrome de Asperger, em homenagem ao pesquisador austríaco Hans Asperger, o primeiro a descrever essa categoria.


É o caso do paulista Jefferson, 13 anos. Quando começou a falar, aos 5 anos, os pais puderam perceber que ele já sabia ler. Suas fontes favoritas eram revistas, legendas de filmes e rótulos de produtos importados. Ele pronunciava o inglês perfeitamente. De tanto prestar atenção nos créditos dos filmes, sabia o nome de todos os dubladores e os identificava mesmo em produções diferentes. Além disso, conseguia reproduzir no teclado qualquer musica que ouvia. “Muitas pessoas achavam que ele era superdotado”, conta a mãe, secretária Maria Aparecida de Oliveira. Mas dava para perceber que apesar dessas habilidades, Jefferson possuía outras limitações. Tinha fixação por rotina e qualquer mudança no caminho para casa desencadeava uma reação de pânico no garoto. Na hora de brincar, ele até ficava no meio de outras crianças, mas nunca interagia numa brincadeira.


Vencendo o isolamento


Como apresenta problemas de comunicação, o autista não costuma desenvolver vínculos afetivos de forma espontânea. Esse é justamente um dos pontos mais enfatizados nos programas de ajuda. “O primeiro passo do tratamento é fazer com que a criança comece a perceber o mundo a sua volta”, explica Rosemberg. “Isso ocorre quando ela compreende que, para cada ação sua, há uma reação no ambiente”. Para abrir uma brecha nesse muro de isolamento, os especialistas utilizam varias técnicas que auxiliam a criança a criar canais de comunicação, seja por meio da fala, seja por meios de sinais e símbolos. Uma das mais comuns é a ABA, sigla inglesa para Análise Aplicada do Comportamento. Ela consiste em ensinar por etapas habilidades tão diversas como reconhecer expressões faciais ou se portar em um restaurante, criando um minucioso passo a passo, que é repetido quantas vezes forem necessárias. A cada acerto, há uma recompensa. Assim, pouco a pouco, a criança descobre que, ao se expressar, ela pode conseguir muito mais rapidamente o que deseja. Lucas, o garoto do inicio do texto, aprendeu a assobiar quando algo o irrita em vez de se agredir fisicamente. Ele também usa cartões com figuras sempre que quer dizer algo. Em associações como a AMA, com umidades em vários estados, e a Lúmen, em São Paulo, um dos principais objetivos das atividades é estimular a sociabilidade e a independência. “Nunca vou esquecer o dia em que o Lucas conseguiu ir ao banheiro sozinho, aprendeu a segurar um talher ou mostrar para a gente o que queria comprar no supermercado”, diz Eleni. “Cada passo é uma conquista importante, tanto para mim quanto para ele”.


Os primeiros sinais

Alguns sinais que podem revelar a presença da síndrome.
Até o primeiro ano

Não olha para o rosto da mãe nem demonstra emoção na presença das pessoas.
Tem aversão ao toque, não fica no colo.
Não estabelece comunicação com quem toma conta dele.
Não dorme, dorme demais ou não acorda quando está com fome.
Não atende quando chamado.
A partir do segundo ano.
Interessa-se mais por objetos do que por pessoas.
Não partilha a atenção e não demonstra reação quando quem está cuidando dele faz algum gesto ou barulho
Tem dificuldade para fixar o olhar.
Não aponta para mostrar interesse
Repete por horas brincadeiras e gestos, como balançar as mãos.



Uma autista por ela mesma. (Trechos do livro “Uma menina estranha” - Cia. Das Letras, autobiografia da autista americana Temple Grandin, 43 anos, que se tornou engenheira, bióloga e Ph.D em Psicologia)


“Embora eu entendesse o que as pessoas diziam, minhas respostas eram limitadas. Eu tentava, mas na maior parte das vezes não saía nada”.“Eu já era adulta quando consegui olhar alguém nos olhos”.“Era como se eu fosse surda. Nem mesmo um barulho forte conseguia me assustar ou me fazer sair do meu mundo”.



Ajuda pela internet.


Os autistas percebem o mundo de forma completamente diferente das pessoas. Pesquisadores americanos da Universidade de Ohio descobriram que eles captam, como nomes e números, embora tenham dificuldade para entender o todo. Em vez de enxergar uma floresta, os autistas vêem cada árvore em separado. Isso também ocorre quando observam faces humanas. Como notam apenas a boca ou o olho em vez do rosto inteiro, não interpretam as expressões faciais nem se interessam em copiá-las – requisito fundamental para o aprendizado. “Embora eles não imitem as pessoas espontaneamente, sabemos que esta capacidade pode ser estimulada”, afirmou o psiquiatra Marco Iacoboni, da Universidade da Califórnia, na Conferencia sobre Inovações Tecnológicas para o Autismo, nos estados Unidos. Seguindo esse raciocínio, a equipe do psicólogo americano Dominic Massaro, da mesma universidade, criou um boneco virtual que usa os recursos da animação gráfica para ensinar crianças surdas e autistas a falar pior repetição. Ao pronunciar as palavras, Baldi, como é chamado, reproduz com perfeição os movimentos dos lábios. As expressões são acompanhadas de legendas e sons, e a criança decora cada movimento e o liga a um sentido. Ainda em fase de experimentação, a programa está disponível gratuitamente no site http:://mambo.ucsc.Edu.


Fonte: Texto retirado da revista “Claudia”. Abril de 2001 pags. 206 a 210.

Um comentário:

  1. Achei magnífico!
    Vá ao meu blog, leia, comente e siga!!!!!
    Bjs
    Vivian Kosta
    http://razaoideal.blogspot.com/

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