Benedict Carey Do 'New York Times'
Dois cientistas, esboçando sobre seus próprios poderes de observação e uma leitura criativa de recentes descobertas genéticas, publicaram uma envolvente teoria de desenvolvimento cerebral que pode mudar a forma como são compreendidas as doenças mentais como autismo e esquizofrenia.
A teoria surgiu em parte do pensamento sobre os eventos, aparte de mutações, que podem mudar o comportamento dos genes. E ela sugere caminhos inteiramente novos de pesquisa que, mesmo provando que a teoria é falha, provavelmente oferecerão novas percepções à biologia da doença mental. Em um tempo onde a busca pelas falhas genéticas responsáveis pelas doenças mentais se tornou atolada em descobertas incertas e complexas, a nova idéia presenteia a psiquiatria com talvez sua maior teoria de trabalho desde Freud, e uma que é fundamentada em trabalhos na vanguarda da ciência.
Os dois pesquisadores – Bernard Crespi, biólogo da Universidade Simon Fraser no Canadá, e Christopher Badcock, sociólogo da Escola de Economia de Londres, ambos novatos no campo da genética comportamental – publicaram sua teoria numa série de recentes artigos de jornal. “A realidade, e imagino que os dois autores concordariam, é que muitos dos detalhes de sua teoria estarão errados; e continua sendo, neste ponto, apenas uma teoria,” disse o Matthew Belmonte, neurocientista da Universidade Cornell. “Mas a idéia é plausível. E dá a pesquisadores uma ótima oportunidade para a geração de hipóteses, algo que, na minha opinião, pode abalar o campo no bom sentido.” A idéia é, em linhas amplamente gerais, bastante direta. Crespi e Badcock propõem que um cabo-de-guerra entre genes dos espermas do pai e dos óvulos da mãe pode, efetivamente, desviar o desenvolvimento cerebral de uma ou duas maneiras.
Uma forte propensão em direção ao pai empurra um cérebro em desenvolvimento ao longo do espectro autista, com fascinação por objetos, padrões, sistemas mecânicos, em detrimento do desenvolvimento social. Uma inclinação em direção à mãe move o cérebro em crescimento ao longo do que os cientistas chamam de espectro psicótico, com a hipersensibilidade ao humor, seja o próprio ou o dos outros. Isto, de acordo com a teoria, aumenta o risco de uma criança desenvolver esquizofrenia mais adiante, assim como problemas de humor como distúrbios bipolares e depressão.Em resumo: o autismo e a esquizofrenia representam extremos opostos de um espectro que inclui a maior parte das doenças mentais desenvolvidas -- se não todas. A teoria não faz uso das muitas categorias distintas para doenças da psiquiatria, e daria uma dimensão inteiramente nova a descobertas genéticas. “As implicações empíricas são absolutamente enormes”, disse Crespi numa entrevista por telefone. “Se você encontra um gene ligado ao autismo, por exemplo, vai querer olhar o mesmo gene relativo à esquizofrenia; se é um gene de cérebro social, então seria esperado ter efeitos opostos nessas doenças, não importa se a expressão de gene estava ligada ou desligada”. A teoria se baseia pesadamente na obra de David Haig de Harvard. Foi Haig quem argumentou nos anos 90 que a gravidez era, em parte, uma luta biológica por recursos entre a mãe e a criança que ainda não nasceu. Por um lado, a seleção natural deveria favorecer as mães que limitam os custos nutricionais da gravidez e têm maiores descendências; por outro lado, também deveria favorecer os pais cujas descendências maximizam os nutrientes recebidos durante a gestação, instalando um conflito direto. A evidência de que essa luta está sendo travada no nível de genes individuais é acumulativa, mesmo que geralmente circunstancial. Por exemplo, o feto herda de ambos os pais um gene chamado IGF2, que promove o crescimento. Mas crescimento excessivo taxa a mãe, e no desenvolvimento normal seu gene IGF2 é quimicamente sinalizado, ou “carimbado,” e biologicamente silenciado. Se o seu gene estiver ativo, pode causar uma desordem de supercrescimento, pela qual o peso de nascimento do feto fica em média 50% acima do normal. Biólogos chamam esse carimbo no gene de efeito epigenético, significando que ele muda o comportamento do gene sem alterar sua composição química. Não é questão de ligar ou desligar um gene, algo feito pelas células no curso do desenvolvimento normal. No lugar disso, é questão de cobrir um gene, por exemplo, com um marcador químico que torna difícil para a célula ler o código genético; ou alterar a forma da molécula de DNA, ou o que acontece às proteínas que ele produz. Para ilustrar como tal transformação genética pode criar opostos comportamentais -- o yin e yang que a teoria propõe -- Crespi e Badcock apontam a um extraordinário grupo de crianças que são simplesmente isso: opostos, tão temperamentalmente diferentes como Snoopy e Charlie Brown, como um Gaugin cheio de vida e um ameaçador Goya. Aqueles com a doença genética chama Síndrome de Angelman praticamente dançam o dia todo, têm dificuldades de comunicação e necessitam de cuidados constantes. Aqueles nascidos com o problema genético conhecido como Síndrome de Prader-Willi são plácidos, complacentes e, quando jovens, não dão muito trabalho. Mas essas duas doenças, que aparecem em cerca de um a cada 10.000 recém-nascidos, derivam de rompimentos da mesma região genética no cromossomo 15. Se os genes do pai são dominantes nessa região, a criança desenvolve a síndrome de Angelman; se forem os da mãe, o resultado é a Prader-Willis, como apontaram Haig e outros. A primeira é associada ao autismo, e a segunda com problemas de humor e psicose -- exatamente como prevê a nova teoria. Problemas emocionais como depressão, ansiedade e doença bipolar, examinados por esta lente, aparecem no lado materno da gangorra, com a esquizofrenia, enquanto a síndrome de Asperger e outras deficiências sociais estão no lado paterno.
fonte: http://g1.globo.com/Noticias/Ciencia/0,,MUL861598-5603,00-GENES+DOS+PAIS+ESTAO+COMPETINDO.html
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