quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Saúde em 4 patas - Revista Época


SAÚDE
Remédio em quatro patas
Surge no Brasil uma nova receita que mistura veterinária, medicina e psiquiatria: o uso de cachorros no tratamento de doenças mentais
Mariana Sanches
ESPECIAIS
· Entrevista com Joan Esnayra, presidente da Associação de Cães de Serviço Psiquiátrico

MELHOR AMIGO Comuns nos EUA, os cães terapeutas ajudam crianças com doenças mentais, como José Augusto (acima, com a labradora Cacau)
O pequeno José Augusto, de 10 anos, é portador de uma deficiência mental leve. Retraído, tinha dificuldade de demonstrar emoções, resistia ao contato com outras pessoas - incluindo parentes próximos - e apresentava um pavor de dentista que o impedia de seguir tratamentos. A solução veio com quatro patas peludas e se chama Cacau. José Augusto está entre as 3 mil crianças com deficiência mental tratadas pelo projeto Cão - Cidadão - Unesp, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Araçatuba. Realizado por dentistas, veterinários e psicólogos, o programa procura juntar a garotada a três labradores adestrados para ajudá-las a superar os sintomas da doença - e até o medo de dentista. "Escovamos os dentes dos cães na frente das crianças", diz a cirurgiã-dentista Sandra Ávila, coordenadora do projeto. "Elas perdem o medo e se deixam examinar."
O episódio de José Augusto é bom exemplo dos benefícios de cachorros no tratamento de problemas mentais e psicológicos. Veterinários e médicos estão descobrindo que os cães podem apresentar vantagens terapêuticas que vão além do auxílio a cegos. Na Alemanha e nos Estados Unidos, há várias iniciativas do tipo. Nos EUA, estatísticas da Associação dos Amigos de Cães para Assistência contam 9 mil cachorros adestrados servindo a pessoas com distúrbios como depressão, síndrome do pânico ou esquizofrenia. Em 2001, eram apenas 2 mil animais. No Brasil os projetos ainda são tímidos, mas as poucas iniciativas pioneiras têm resultados surpreendentes.
"A melhora no comportamento agressivo dos pacientes é sensível", diz a veterinária Valéria Oliva, responsável pelos animais da Cão - Cidadão - Unesp. A iniciativa vai ser ampliada para crianças autistas ou com quadros severos de doenças mentais. E já é reconhecida por psiquiatras. "Os resultados em jovens com déficit de atenção e autismo são muito positivos", afirma o psiquiatra Joel Rennó, do Hospital das Clínicas de São Paulo. Os cães podem ajudar também em quadros de depressão, pois dão ao doente uma sensação de bem-estar. "Apesar de não haver estudos científicos, acredita-se que a presença dos animais diminua a quantidade de cortisol (hormônio relacionado ao estresse) no organismo", diz Rennó. "O método pode valer inclusive para quem tem mal de Alzheimer (doença degenerativa que causa perda de memória recente)."
Essa afirmação está sendo testada no Centro de Medicina do Idoso do Hospital Universitário de Brasília. Recentemente, dois aliados se uniram à junta médica local: um cão da raça boiadeiro bernês e um da golden retriever. Ambos têm contribuído para a evolução de pacientes com Alzheimer. "Os animais aguçam os sentidos, ativam a memória e aumentam o índice de atenção", afirma a pesquisadora Maria Darci Colares, da Universidade de Brasília (UnB). Em testes, idosos com Alzheimer conseguiram gravar nomes e características físicas dos cães. "Um paciente lembrou-se de um dos cachorros seis meses depois do último contato", diz Damaris Rizzo, veterinária responsável pela iniciativa - inédita no Brasil. Ela afirma que a terapia com cães é pouco difundida no país em parte por causa do preconceito. "Existe preconceito até por parte dos médicos", afirma.
Os americanos e europeus já estão mais habituados aos cães terapeutas. Os animais acompanham os donos a qualquer lugar, incluindo transporte público, restaurantes e hospitais. "Os cachorros são treinados para fazer companhia a pessoas depressivas ou para conduzir alguém com crise de esquizofrenia de volta para casa", afirma Joan Esnayra, presidente da Associação de Cães de Serviço Psiquiátrico. A própria Joan é portadora de transtorno bipolar, condição em que o paciente alterna períodos de excitação e depressão. Ela diz que os animais são fundamentais para a recuperação. Avanços à parte, os médicos fazem um alerta: o cão não pode ser a única forma de tratamento. "Um cachorro não substitui a medicação", diz Rennó, do Hospital das Clínicas. Dependendo da personalidade do paciente, outros tratamentos auxiliares - como musicoterapia ou ioga - podem ser mais indicados.
OS CÃES TERAPEUTAS
No que podem ajudar
VIDA SOCIALSão brincalhões, descontraem o ambiente e facilitam o relacionamento entre o paciente e a família, ou entre o paciente e o médico
AUTO-ESTIMANão têm preconceito, não julgam diferenças e gostam de qualquer carinho. Por isso o paciente se sente mais confiante. O cachorro o aceita como ele é
AFETIVIDADEComo estão sempre dispostos a brincar e a receber um afago, ajudam a driblar a timidez e a expressar sentimentos
Como precisam ser
DÓCEISOs veterinários testam a índole do cachorro, puxando as orelhas e o rabo. Se o animal reage de forma agressiva, não pode participar do tratamento
INTELIGENTESO cão passa por uma bateria de testes de inteligência. A idéia é verificar a capacidade de aprender e obedecer
BEM TREINADOSO adestramento ensina a atender a comandos como sentar ou deitar. Os cães são instruídos a controlar a força para não machucar os pacientes
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